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Fazenda gaúcha produz arroz de qualidade sem agrotóxicos e adubos

Esse sistema, que trabalha em harmonia com a natureza, foi desenvolvido há quase um século e é hoje praticado no mundo todo

A fazenda gaúcha Capão Alto das Criúvas, no município de Sentinela do Sul, produz mais de mil toneladas de arroz por ano, sem usar agrotóxico nem adubo convencional.

É uma fazenda modelo em agricultura biodinâmica. Esse sistema, que trabalha em harmonia com a natureza, foi desenvolvido há quase um século e é hoje praticado no mundo todo.

A colheita é tempo de muito trabalho. A família Volkmann produz arroz na terra há mais de 30 anos.  O cultivo é feito em áreas de várzea, onde a planta cresce dentro da água. A lavoura tem 200 hectares.  Metade na fazenda e metade em áreas arrendadas ao redor.

“A média de produtividade varia muito em função das variedades. O agulhinha pode chegar a média de 7 a 7500 kg/há”, diz João Volkmann, agricultor.

A fazenda pertence a oito irmãos. João, que também é agrônomo, é quem cuida da propriedade.  Ele explica que toda a produção é beneficiada no local e é a própria família quem faz a comercialização.

Agulhinha, negro, cateto, nas versões polido, integral e misturado. São as variedades e formas de beneficiar o arroz, da fazenda Capão Alto das Criúvas, que produz por ano, algo em torno de mil toneladas de arroz.

Tudo é produzido seguindo os conceitos da biodinâmica, sistema de produção nascido na Alemanha no começo do século 20.

“Os cultivadores de alfafa tinham o costume de semear e durante 18 anos consecutivos cortar aquele mesmo pé de alfafa. Ao final dos anos 1800 e começo de 1900, as plantas já não duravam 18 anos. A perda de vigor de vitalidade nas plantas…”, explica João.

Os agricultores decidiram pedir ajuda a um austríaco que tinha conceitos e ideias inovadoras para a educação, espiritualidade e até para a medicina: Rudolf Steiner, criador da antroposofia e da pedagogia Waldorf. Steiner fez uma série de oito palestras na Alemanha, que originaram os conceitos e práticas dessa agricultura feita em parceria com o meio ambiente.

A biodinâmica respeita os processos que naturalmente acontecem no solo, nas plantas, nos animais. Dentro desse contexto, o homem funciona como um maestro que rege, orienta e auxilia aquilo que a natureza faz com perfeição e de graça. É um sistema onde sustentabilidade não é meramente um conceito, e sim uma prática cotidiana.

Como na agricultura orgânica, a biodinâmica não usa veneno ou adubos convencionais, mas também segue outras regras que esta reportagem traz adiante. A primeira delas é tratar a propriedade como um organismo onde tudo está integrado. Para isso é preciso construir uma paisagem.

PAISAGEM

“Todos os ambientes da paisagem contribuem de alguma forma. A área de pasto vai servir para os animais, a área mais fértil para a produção dos cereais, a área mais íngreme para a produção de madeira, que é usada para a produção de energia e secagem do arroz e também para as construções, e assim a gente pode proteger a mata nativa”, explica.

A área de reserva florestal da fazenda é de 35%, 15% mais do que exige a lei. O que garante a presença de muitos animais silvestres, como os simpáticos bugios que aparecem todo dia para comer os frutos de uma imensa figueira.

Um estudo realizado pela Universidade estadual do Rio Grande do Sul encontrou uma grande variedade de animais silvestres. Só de pássaros foram 246 espécies.

AUTOSSUFICIÊNCIA COM SUSTENTABILIDADE

A riqueza ambiental nos leva à segunda regra da biodinâmica. A ideia é que fazenda seja independente e produza tudo o que é necessário para o funcionamento da propriedade. Por isso, toda fazenda biodinâmica tem que criar animais. Na fazenda se trabalha com vacas e búfalas.

“Se adapta mais à ecologia da região do que o gado europeu. A búfala dá cria em janeiro e fevereiro quando há sobra de pasto muito grande”.

Os animais têm outra função importante: produzir esterco. Depois da colheita do arroz, raízes e a palhada ficam no campo. Durante o inverno, os animais entram na área de lavoura para comer a resteva.

“E fazem o processamento da palha. Imagina se tivesse que pegar o facão, picar toda essa palha, triturar e fazer o que é um esterco?”.

O processo de compostagem do esterco com a palha acontece naturalmente na lavoura. Assim, temos outra regra da biodinâmica: construir fertilidade no solo, produzindo húmus.

HÚMUS

O húmus, a parte que tem mais matéria orgânica vai estar bem na superfície e a tendência é que vai aprofundando o solo vai ficando mais pobre até chegar na argila pura, que é o solo mais mineral.

Funciona assim: as folhas, galhos e flores que caem no chão passam por um processo de decomposição feito por minhocas, insetos, microorganismos e fungos que vivem no solo. São eles que transformam tudo em húmus. Um trabalho lento, mas que pode ser perdido rapidamente:

“Um ano você consegue diminuir em 1% a matéria orgânica. E para recuperar esse 1% de matéria orgânica você leva 10 anos”, alerta. Para auxiliar os processos naturais, Rudolph Steiner desenvolveu alguns produtos: os preparados biodinâmicos.

PREPARADOS BIODINÂMICOS

Eles são feitos com ervas medicinais, esterco, cristais e alguns órgãos animais, como explica Sebastian Calquin, genro do agricultor João. Ele é chileno, mas já fala bom português:

“Os preparados biodinâmicos têm a função de apoiar os processos biológicos que acontecem no solo, que são a base da fertilidade do solo, e também os processos que acontecem na planta, que permitem produzir um alimento vital, um alimento com vitalidade”.

Há dois tipos de preparado: os de ervas medicinais são usados para compostagem: “A gente consegue produzir um composto que é nutritivo e consegue aportar o que cada planta precisa para o seu desenvolvimento”, diz.

O outro grupo de preparados são os feitos com chifre de vaca, como o chifre esterco: “Nós colocamos em um chifre, de uma vaca que já pariu, esterco de uma vaca que também já pariu, ele fica durante um tempo enterrado na terra e nós usamos esse preparado para ajudar nos processos de decomposição na terra”, explica.

Tem também o chifre sílica, feito da mesma forma, só que com cristais moídos.

Antes de ir para o campo, os preparados têm que ser dinamizados. Processo em que uma pequena quantidade do produto é colocada na água e agitada por uma hora. Assim, se transfere para a calda todas as energias que a sílica e o esterco absorveram da natureza durante o período em que ficaram enterrados.

“Ele vai trazer tudo aquilo que ficou esquecido. Qualidade, aroma, sabor, cor, durabilidade na prateleira”, explica João.

O uso dos preparados mudou a paisagem da fazenda. Ela pertence à família Volkmann há mais de meio século, mas passou anos arrendada para o cultivo convencional de arroz e soja.

“As áreas íngremes que estavam muito dilaceradas, com muito problema de erosão. Então tratamos de ter pecuária na parte de cima, com roçadas e aplicação de preparados e regenerando, regenerando lentamente”, conta.

Hoje a fazenda é um modelo de agricultura biodinâmica. Recebe gente do Brasil e do mundo todo para aprender sobre o sistema.

Esse é o assunto da segunda parte da reportagem, onde você também conhece a nova geração da família Volkmann, que já trabalha para ampliar e diversificar a produção.

por Ana Dalla Pria e Emílio Mansur, para o G1.com